O que é bom e o que precisa melhorar no fundo do governo que financia startups 19/02/2016

Nexo Jornal: Link da notícia

(Bruno Lupion - 19 Fevereiro 2016)

 

Projetos beneficiados pelo Criatec conseguiram transformar ideias em produtos à venda no mercado, mas empresários reclamam da burocracia e falta de apoio administrativo

O BNDES anunciou nesta segunda-feira (15) R$ 200 milhões para apoiar empresas brasileiras inovadoras. O Criatec, como se chama o fundo de investimentos, está na terceira fase e 60% do total dessa verba vem do banco de desenvolvimento. A parcela restante é dinheiro de outros bancos públicos e instituições privadas.

A operação do Criatec se assemelha ao que lemos sobre os investidores do Vale do Silício, na Califórnia, sempre à caça da próxima novidade lucrativa. A diferença é que, no caso brasileiro, o dinheiro é majoritariamente público, em uma escala muito menor, e demora muito mais tempo para sair. Apesar da verba ser pública, o gestor do fundo é privado — nesta terceira edição, é a Inseed Investimentos.

 

Como funciona

1. ESCOLHA DA EMPRESA

O gestor analisa e escolhe as empresas com projetos que considere viáveis e lucrativos, mas que precisem de capital para tirar os planos do papel.

2. APORTE DO DINHEIRO

São investidos até R$ 3 milhões por empresa, na forma de compra de cotas de participação. O fundo passa a ser sócio do empreendimento.

3. DESINVESTIMENTO

Em até 10 anos, o fundo vende suas cotas na empresa, com o objetivo de multiplicar o investimento inicial.

 

Casos práticos

O Nexo perguntou a presidentes de três empresas que receberam recursos da primeira e da segunda edições do Criatec o que funciona e o que precisa melhorar no programa.

Todos reconheceram a importância do fundo para fazer com que os protótipos — projetos de máquinas ainda em fase de testes — se transformassem em produtos, prontos para a venda. Eles também disseram que gostariam que o processo fosse menos burocrático e mais rápido, e com apoio admnistrativo. As histórias:

 

“Aporte foi importante para conseguir lançar o produto”#

Denilson Laudares Rodrigues, 48 anos, é presidente da Celer Biotecnologia, que produz máquinas utilizadas por laboratórios e hospitais em exames bioquímicos e de imunologia em coletas de sangue.

Ele abriu a empresa em 2005, após voltar de um doutorado sanduíche nos Estados Unidos. Juntou recursos pessoais e dinheiro emprestado da família, mas percebeu que não teria condições de erguer a empresa sozinho.

Rodrigues diz ter aproveitado um “boom” de editais de inovação oferecidos de 2005 a 2007 por instituições públicas de fomento, como Finep e o CNPq, ligadas ao governo federal. Conseguiu R$ 3,5 milhões para desenvolver protótipos e recebeu orientação técnica para vender o projeto a investidores.

Em 2007, soube do Criatec 1. Apresentou seu projeto e, pouco mais de um ano depois, recebeu um aporte de R$ 1,4 milhão. Sua empresa, até então, só tinha os protótipos das máquinas. “Ter o protótipo é uma coisa. Lançar o produto é outra, demanda muito recurso e energia”, diz.

Com a verba, colocou no mercado, em 2009, sua primeira máquina para automação de exames bioquímicos de sangue. Logo depois vieram mais dois modelos, que fazem testes imunológicos com enzimas. Até 2018, o Criatec deverá vender a participação em sua empresa para outros interessados.

O ponto negativo do programa, diz, é a falta de apoio gerencial para que as empresas não se sintam “desassistidas” logo após a entrada do capital. “As startups precisam mais que recursos, elas precisam de suporte para o planejamento”, afirma. Ele sugere que o Criatec ofereça, em suas novas edições, soluções administrativas compartilhadas para as empresas, como apoio em contabilidade e gestão.

 

“Criatec é uma evolução, mas é tudo muito demorado”#

Samy Menasce, 66 anos, é presidente da Brasil Ozônio, que produz máquinas que extraem o gás ozônio da atmosfera e o utilizam na purificação e esterilização de água para piscinas, indústrias e agricultura.

Assim como Rodrigues, citado na história acima, Menasce também já tinha recebido dinheiro a fundo perdido de linhas de fomento antes do aporte do Criatec. Sua empresa nasceu na incubadora da USP, o Cietec (Centro Incubador de Empresas Tecnológicas), e recebeu de linhas de fomento um total de R$ 12 milhões.

Menasce foi procurado pelo gestor do Criatec 2 em 2014. Cerca de um ano depois, recebeu um aporte de R$ 2,4 milhões. A entrada do fundo deu “força societária e peso de mercado” à empresa.

A Brasil Ozônio já chegou a faturar R$ 3 milhões por ano e está na lista das mais inovadoras do Brasil, segundo o Sebrae. A tecnologia e as máquinas são desenvolvidas no país.

A empresa começou desenvolvendo máquinas para tratar água de piscina e hoje atua, entre outras áreas, no tratamento de resíduos da primeira mina de urânio no Brasil, que tem 2,5 milhões de metros cúbicos de água contaminada com metais pesados. “Estamos conseguindo oxidar o metal e separá-lo da água, que é devolvida ao rio”, diz.

Menasce afirma que o Criatec significou uma “evolução” no panorama de investimento em inovação no Brasil, mas reclama da demora para liberar o dinheiro do fundo, que segundo ele é um reflexo da burocracia do país. “Se a empresa for muito pequena e não tiver uma dinâmica forte, há risco de se perder no tempo da negociação”, afirma. Outra hipótese, diz, é uma firma concorrente, do Brasil ou do exterior, conseguir desenvolver produto semelhante enquanto o pedido tramita na burocracia.

Ele critica também o que chama de “cláusulas leoninas” do contrato com o fundo, que autorizam o gestor a sair da empresa antes do prazo combinado, se julgar necessário. “Isso é perigoso, a entrada do dinheiro joga a empresa num outro patamar de capital de giro e a saída do investidor pode deixá-la em situação complicada”, diz.

 

“No Centro-Oeste é difícil achar startup”#

Bruno de Souza Rêgo, 33 anos, é presidente da Pinmypet, empresa sediada em Brasília que está prestes a lançar uma coleira para cães e gatos que registra o deslocamento dos animais via GPS e monitora sua atividade por um acelerômetro.

Ele começou a trabalhar no projeto em 2013, quando recebeu US$ 50 mil de uma aceleradora de startups do Vale do Silício e passou seis meses nos Estados Unidos. Lá, diz, o intervalo entre a decisão de um investidor aportar recursos numa empresa e a entrada do dinheiro é de duas semanas.

Ao voltar ao Brasil, recebeu mais R$ 150 mil da WOW, uma aceleradora sediada em Porto Alegre. No final de 2014, foi selecionado pelo gestor regional do Criatec 2 do Centro-Oeste. Em dezembro de 2015 assinou o contrato, que prevê o aporte de até R$ 2,5 milhões.

O dinheiro será utilizado para produzir o produto em escala e lançá-lo no mercado, o que deve ocorrer até junho. “Tínhamos o protótipo, mas faltava dinheiro para produzir em escala. Importamos os componentes e estamos montando tudo no interior de Minas”, diz.

Ele enfrentou um processo burocrático e foi submetido a várias instâncias para liberar a verba. “O gestor se preocupa muito para que o processo não volte atrás. Por outro lado, eles fazem o investimento com mais segurança”, diz.

Rêgo diz que, no Centro-Oeste, foi difícil para o gestor regional encontrar projetos viáveis para investir, dada a carência de empresas inovadoras na região que tivessem os requisitos necessários para aprovar o investimento junto ao BNDES.

Rafael Moraes, gestor regional do Criatec 2 no Centro-Oeste, confirma que há uma “limitação” na região em encontrar empresas interessantes. “É necessário prospectar mais do que no Sudeste. Mas temos duas empresas já investidas e duas que serão levadas ao comitê de investimentos que não fazem feio à carteira de outras regiões”, diz.

 

Números do programa

CRIATEC 1

Lançado em 2007, já encerrou novos investimentos.

Valor: R$ 100 milhões, sendo 80% do BNDES.

Investiu em 36 empresas.

CRIATEC 2

Lançado em 2013, com novos investimentos até 2017.

Valor: R$ 186 milhões, sendo 77% do BNDES.

Já investiu em 18 empresas.

CRIATEC 3

Lançado em 2016, com novos investimentos até 2020.

Valor: R$ 200 milhões, sendo 60% do BNDES

Em fase de seleção de empresas para investir.